Os pesquisadores do FGV IBRE Fernando Veloso, Fernando de Holanda Barbosa, Janaína Feijó e Paulo Henrique Peruchetti mostraram que, na última década, os trabalhadores que estudaram mais registraram uma perda de renda maior do que os menos escolarizados. O levantamento, feito a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PnadC), do IBGE, também mostrou um significativo aumento da informalidade entre os que investiram na educação em busca de melhor empregabilidade e salário.
Quando se comparam os trabalhadores com ao menos 16 anos de estudo – o que, sem contar repetências, equivaleria ao ensino superior ou mais –, com aqueles que passaram menos de um ano na escola, o retorno positivo da educação do primeiro grupou era de 641% em 2012. No segundo trimestre deste ano, esse prêmio havia caído quase pela metade, para 353%. Entre os que têm de 12 a 15 anos de estudo, que equivaleria ao médio completo ou superior incompleto, a queda foi de 193% em 2012 para 102% este ano.
Quanto o salário-hora é maior do que os que têm menos de um ano de estudo
Observada a variação do rendimento do trabalho entre 2012 e o segundo tri de 2023, os pesquisadores identificaram uma queda de 16,7% no rendimento dos trabalhadores com 12 a 15 anos de estudo, enquanto aqueles com 5 a 8 anos, correspondente ao fundamental 2, a queda foi de -2,9%.
Entre os trabalhadores com mais de 16 anos de estudos, também houve um importante aumento da informalidade, de 14% para 19,4% no período analisado. Esse, inclusive, é um fator apontado pelos pesquisadores do IBRE para justificar a queda do retorno da educação, já que os trabalhadores informais com esse perfil registraram uma variação negativa maior em sua renda do trabalho que os formais, de -14,3% contra -11,8% entre os formais. Para aqueles com 12 a 15 anos de estudo, o crescimento da informalidade foi ainda maior, de 6,6 pontos percentuais, para 33,6%. Outro elemento que também é citado pelos pesquisadores para justificar essa queda é o aumento da proporção da população ocupada com mais de 12 anos de estudo, que passou de 49,8% para 66,5% entre o segundo trimestre de 2012 e o de 2023, o que implica maior concorrência por vagas, em um mercado que não expandiu a oferta de vagas mais qualificadas no mesmo ritmo.
Variação da Taxa de Informalidade por grupo educacional
Uma característica destacada por Janaína Feijó é o efeito da pandemia nesse resultado. No caso dos trabalhadores mais escolarizados (16 anos ou mais de estudos), a queda da diferença entre seu salário-hora em relação àqueles com menos de um ano na escola entre 2020 e 2023, de 142 pontos percentuais, foi praticamente igual à registrada nos oito anos anteriores, de 145 pontos percentuais, totalizando os 288 pontos percentuais no total do período analisado. “Nesse período, trabalhadores de perfil mais qualificado e com vínculo formal conseguiram preservar seus postos de trabalho, mas isso não significou aumento de salário – ao contrário, pois também tiveram perda maior de renda”, afirma. A mesma atenção, diz, precisa ser tomada quando se observa a variação positiva do rendimento entre trabalhadores com até 4 anos de estudo na década analisada, já que até a pandemia essa variação era negativa, mudando radicalmente de direção com o impacto da Covid-19, quando a participação de trabalhadores informais e de mais baixa capacitação caiu, trazendo consequentes reflexos no cálculo do rendimento desse grupo.
Composição educacional dos trabalhadores informais
Na edição de maio da Conjuntura Econômica, os pesquisadores do Observatório da Produtividade Regis Bonelli já destacavam o efeito da pandemia na informalidade – que num primeiro momento retraiu, impactando positivamente a produtividade do trabalho –, bem como em uma redução da desigualdade salarial. Esse fenômeno, apontava Fernando Veloso na matéria, também foi observado nos Estados Unidos, onde entre 2019 e 2022 foi registrada uma queda de 25% na desigualdade salarial acumulada nos últimos 40 anos naquele país. Fernando de Holanda Barbosa ressaltou, entretanto, que esse movimento não desmerece por completo os ganhos que a escolaridade proporcionou para os trabalhadores que se dedicaram a estudar. Para a Conjuntura, ele apresentou um contrafactual indicando que o rendimento médio real no agregado seria, em 2022, 32% menor se os trabalhadores apresentassem o mesmo perfil de escolaridade que se tinha no Brasil do início da década de 1990.
Variação do rendimento do trabalho por nível educacional
Mas, como sempre lembra Veloso, educação sozinha não resolve tudo, e ainda que parte desse efeito pandemia possa ser gradualmente suavizado, para uma reversão consistente desse quadro é preciso trabalhar para eliminar as forças que agem na direção contrária, buscando um bom ambiente de negócios que colabore para o aumento da produtividade da economia e, consequentemente, do potencial de crescimento do país. Atualmente, “como as empresas mais produtivas não evoluem por todas as mazelas que conhecemos —sistema tributário, infraestrutura, economia fechada—, o pessoal chega ao ensino superior, mas ou não tem trabalho ou o salário que esperava”, afirmou Veloso à Folha. Ao alimentar uma oferta de empregos predominantemente de baixa qualidade, que empurrar os mais escolarizados para vagar de mais baixa remuneração, compromete-se a capacidade de expansão da economia brasileira, reforça Veloso.
Variação do rendimento do trabalho para quem tem 16 anos ou mais de estudo
Na pesquisa, Janaína também destacou a diferença do retorno da educação por gênero. Nesse caso, a diferença entre o retorno para trabalhadores com ao menos 16 anos de estudo com aqueles que passaram menos de um ano na escola entre 2012 e 2023 caiu de 548% para 278% entre mulheres e de 785% para 442% entre homens. Comparando os retornos entre homens e mulheres no segundo trimestre de 2023, o segmento que apresenta maior diferença entre ambos é o de trabalhadores com 5 a 8 anos de estudos. Janaína lembra que entre trabalhadores de escolaridade na faixa do fundamental 2, um nicho de demanda que tem se aquecido é o de construção civil, em atividades em que, por suas características, há poucas mulheres, “e onde os salários são maiores do que em atividades como a de serviços domésticos”, exemplifica. No caso das diferenças salariais entre homens e mulheres mais escolarizados – claramente identificadas em distintas pesquisas –, Janaína ressalta que os caminhos para mitigá-las são principalmente dois: políticas corporativas que promovam as mesmas oportunidades para homens e mulheres qualificados de aceder a postos de comando e maior especialização, e o estímulo para se romper a predominância masculina em carreiras ligadas a ciência, tecnologia, engenharia e matemática, conhecidas pela sigla STEM.