Justiça mantém mecanismos de equilíbrio no setor elétrico

Foto: Joédson Alves/Agência Brasil

A Advocacia-Geral da União (AGU) obteve vitória em julgamento sobre mecanismos que equilibram o sistema nacional de produção e comercialização de energia. Um grupo de usinas hidrelétricas buscava limitar a 5% a cobrança do fator de ajuste do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), conhecido no setor como Generation Scaling Factor (GSF).

O fator é aplicado quando há déficit de produção e as empresas são obrigadas a adquirir energia de outros agentes para manter a estabilidade do setor. Ao demandar a limitação do percentual do GSF, as geradoras tentavam contornar os custos decorrentes dos riscos característicos da produção hidráulica, o que, em última instância, poderia causar impacto na conta de luz do consumidor.

O julgamento aconteceu no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), onde a AGU representou a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), por meio da Procuradoria Regional Federal da 1ª Região (PRF1) e da Procuradoria Federal junto à agência reguladora. 

A decisão judicial foi uma das primeiras a analisar o mérito do tema em segunda instância e fixou o entendimento de que não há previsão legal que limite a aplicação do GSF a qualquer percentual. Em suma, o TRF1 decretou que a adesão dos geradores hidráulicos ao MRE e à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) implica na aceitação das regras do sistema, o que inclui os custos decorrentes de cálculos do GSF. 

A judicialização do GSF começou em 2014 e se estendeu até 2018, com centenas de processos. Boa parte deles foi resolvida por repactuações que resultaram em leis setoriais, mas ainda restam cerca de 30 liminares vigentes. Conforme o procurador federal Pedro Henrique Peixoto Leal, que atua junto à Aneel, a vitória no TRF1 aponta para o acerto da tese da defesa, que vem sendo apresentada desde as primeiras ações, há mais de dez anos.

“Espera-se que, com o sucesso da Aneel nessa ação judicial, mais agentes de geração hidráulica que ainda discutem o GSF em juízo busquem a solução definitiva para o tema no âmbito da CCEE, e que em breve não mais tenhamos nenhuma liminar do primeiro bloco de judicialização do GSF, que gera inadimplência no Mercado de Curto Prazo (MCP)”, projeta Leal. 

No auge das judicializações, o MCP, responsável por comercializar energia elétrica entre os diversos agentes – geradores, distribuidoras, comercializadoras e grandes consumidores – chegou a ser paralisado devido à inadimplência gerada pelas liminares. Por ser um mercado de soma zero, a inadimplência é rateada entre os participantes. 

Conforme Leal, a decisão aumenta a estabilidade e a segurança jurídica do setor. “Se encerradas as liminares das ações do primeiro bloco de judicialização do GSF, não mais remanescerá inadimplência a ser rateada; ou seja: encerram-se, com isso, também as ações de loss sharing (ou de rateio da inadimplência)”. 

A produção e transmissão de energia no Brasil é operacionalizada pelo Sistema Interligado Nacional (SIN), no qual estão reunidas usinas estatais e privadas de todas as regiões do país que geram mais de 99% da eletricidade nacional, proveniente de fontes principalmente hidráulicas, mas também térmicas, eólicas e solares. Coordenado pelo ONS – Operador Nacional do Sistema Elétrico e regulamentado pela Aneel, o SIN é um dos maiores sistemas elétricos interligados do mundo e seu principal objetivo é garantir o fornecimento estável, seguro e econômico para todo o território nacional.

O ONS orienta a geração de energia das hidrelétricas baseada em uma utilização racional da água, de forma a conjugar os interesses dos diversos agentes. Individualmente considerados, os geradores não têm autonomia para decidir quando ou quanto produzirão, visto que estão sujeitos às definições do sistema. Com o objetivo de compartilhar entre os agentes os riscos associados à produção, como a falta de chuva que diminui o nível dos reservatórios, a legislação nacional instituiu o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE), ao qual as hidrelétricas podem aderir. É por meio dele que se transfere o excedente das usinas que geraram além de sua garantia física (a produção máxima prevista pelo SIN) para aquelas que produziram abaixo.

Assim, desde que a geração total do SIN não esteja abaixo de sua garantia física, todas as usinas recebem seus níveis previamente definidos, independentemente da produção real da energia. Ou seja, o MRE compartilha as variações entre os geradores participantes, diluindo o risco individual na coletividade, o que caracteriza uma espécie de condomínio. 

O mecanismo, no entanto, depende da relação entre o volume de energia efetivamente gerado e a garantia física total do sistema. É com base nessa proporção que se calcula o GSF, aplicado a todas as hidrelétricas que aderem ao MRE. Quando a geração de energia é maior que a garantia física de todos os integrantes, ou seja, quando o fator passa de 100%, o benefício do excedente é compartilhado. Por outro lado, quando a produção é menor, o déficit leva à necessidade de as empresas comprarem energia no Mercado de Curto Prazo (MCP) para honrar seus contratos de fornecimento, na proporção da sua participação no MRE. 

Segurança jurídica
Tentando eliminar os custos causados pelos momentos de déficit do sistema, algumas empresas buscaram limitar a aplicação do GSF a 5%, mesmo quando o fator estivesse abaixo dos 95%. Ao longo dos últimos anos, demandas como essa implicaram em uma série de liminares favoráveis que oneraram outras usinas participantes do MRE, além de credores do MCP, o que levou a uma nova onda de judicialização. Ao definir que não há previsão legal que limite a aplicação do GSF ao percentual de 5%, o TRF1 vai na direção de levar mais segurança jurídica ao setor.

Em manifestação na Justiça, a PRF1 e a PF/Aneel sustentaram que “as consequências práticas da redução do GSF pelo Judiciário, matéria exclusivamente técnica, seriam o desequilíbrio do setor elétrico, com a transferência do ônus para os demais agentes não protegidos por ordens judiciais e para o consumidor cativo, que, no final, arcaria com tudo”. A defesa lembrou ainda que, “por integrarem um condomínio, as empresas estão sujeitas a suportar o ônus e o bônus dele decorrentes”.  A AGU já havia saído vitoriosa na primeira instância, o que se repetiu no TRF1. A corte manteve a sentença, destacando que “o MRE constitui mecanismo institucional de repartição de riscos hidrológicos entre os agentes de geração hidrelétrica, respaldado pela Lei nº 10.848/2004 e regulamentado pelo Decreto nº 5.163/2004”. Além disso, sentenciou que “a adesão voluntária das impetrantes à CCEE e ao MRE implica aceitação das regras do sistema, inclusive a metodologia de cálculo do GSF e os encargos decorrentes da operação do mercado”.

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