Precificação de carbono é facilitador da transição energética e impulsiona a macroeconomia


Seriam os créditos de carbono os principais facilitadores para a transição energética? Painel da 6ª edição da Conferência de Pesquisa e Inovação em Transição Energética (ETRI — Energy Transition, Research and Innovation Conference), realizada entre 7 e 9 de novembro, na USP, em São Paulo (SP), debateu os avanços e desafios na área com representantes da Aneel, FEA-USP, CEBDS e IEE-USP, e mediação de Virginia Parente, professora do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da Universidade de São Paulo.

Em sua apresentação, Ariaster Baumgrat Chimeli, professor na FEA-USP e economista especializado em economia ambiental, destacou que créditos de carbono são facilitadores para a transição energética. Ele citou dois experimentos nos Estados Unidos para diminuir a chuva e a neve ácida. Um na década de 1970, com medidas de comando e controle do governo; outra em 1995, com créditos de carbono. A primeira não levou a qualquer redução de poluentes. Já a segunda resultou em uma drástica diminuição da deposição ácida a partir de 2021.

“Foi mais rápida e por um custo menor do que se imaginava”, disse. E por quê? Porque as empresas que não conseguiam fazer cortes imediatos nas emissões ganhavam tempo com a compra de créditos para se organizarem e fazerem os ajustes necessários, explicou ele. 

Depois dessa experiência, outros países decidiram precificar o carbono, usando créditos, taxas ou modelos híbridos “E as evidências que temos é de que todos funcionam”, apontou. Essas experiências mostram também que a precificação do carbono não desacelera a economia. “Quando olhamos para as evidências empíricas até agora, os países que fixaram preço do carbono não experimentam uma redução do PIB, ao contrário, houve um pequeno aumento no crescimento e no emprego. O que especulamos, com as provas limitadas que temos, é que o preço do carbono gera receitas e essas receitas estão a ser usadas para reduzir alguns outros impostos”, disse ele, acrescentando que, em nível macroeconômico, alguns setores perdem, outros ganham; e aqueles que estão mais expostos à precificação do carbono tendem a inovar mais. 

Entre os desafios, apontou que a precificação do carbono, seja por taxa ou crédito, tende a pesar mais sobre as famílias com rendimentos mais baixos do que sobre as famílias com rendimentos mais elevados. “E essa é uma discussão importante, que não está sendo feita no Brasil. Pressões políticas podem tornar a implantação do crédito de carbono mais lenta ou fazer com que o processo volte à estaca zero”, alertou.

Viviane Romeiro, diretora de Clima, Energia e Finanças Sustentáveis do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), abordou o aspecto regulatório, lembrando que somente em 2021 o Brasil teve seu primeiro projeto de lei submetido na Câmara dos Deputados sobre a criação de um mercado regulado de crédito de carbono.

De acordo com Romeiro, o mercado regulamentado atual apresenta um limite de cerca de 25.000 toneladas métricas de emissões de GEE, equivalentes a CO2. Trata-se de uma lacuna de emissões de gases de efeito estufa e um limite para ser negociado dentro do mercado regulamentado, mas uma possibilidade de compensar os créditos de carbono nos mercados voluntários. Segundo ela, incorporar o mercado voluntário ao mercado regulamentado é algo importante.  

As recomendações do CEBDS indicam um sistema obrigatório de comércio de emissões brasileiro, com implementação gradual, governança multinível e mecanismos de proteção, competitividade e estabilidade de preços. “A mitigação e a adaptação são fundamentais para esta agenda global e o mercado do carbono é uma das soluções, uma das oportunidades. Sempre mencionei que os mercados voluntários e os mercados regulamentados de carbono não são a política em si, mas são uma declaração importante da política climática. Portanto, compreender as nuances do mercado voluntário e regulamentado é um dos nossos desafios”, ressaltou.

Agnes Maria de Aragão da Costa, diretora da Aneel – Agência Nacional de Energia Elétrica, começou sua fala destacando como é impressionante o progresso do setor energético e como a transição energética entrou de vez na agenda. “Antes, quando tratávamos do setor energético no Brasil, estávamos, na maioria das vezes, lidando com diversas soluções relacionadas a tecnologias limpas, mas não pensando em descarbonização”, assinalou.  

A discussão sobre mercados e créditos de carbono nos debates de formuladores de políticas no setor energético data de cerca de 40 anos. Mas foi, em 2001, quando o país vivenciou o programa de racionamento de energia — e o Brasil era totalmente dependente da energia hidrelétrica — que emergiu a preocupação em diversificar o mix elétrico e vieram as políticas de incentivo. “Então, é natural que tenhamos agora um mix bem mais diversificado. Desde 2016 ou 2017, houve uma grande discussão no setor elétrico, que regulamenta quais marcos legais deveriam ser modernizados ou atualizados para a nova realidade do setor. E, quando vemos que diversas tecnologias já são muito competitivas, uma das medidas foi reduzir esses incentivos com descontos apenas para fontes renováveis”, salientou.  

“Entendemos que a melhor maneira de os projetos no setor elétrico se beneficiarem do fato de terem ajudado na descarbonização é através de um esquema de comércio de carbono de créditos de energia”, assinalou. Ela lembrou ainda que todos pagam por subsídios cruzados nas contas de luz – uma conta que, em 2023, tem um orçamento de quase R$ 34 bilhões, dos quais R$ 10 bilhões são voltados para as energias renováveis.

“É preciso entender o óbvio: de que o crédito de carbono é usado porque o custo da energia limpa é maior que o custo da energia tradicional”, destacou José Roberto Moreira, do IEE-USP, ao fechar as apresentações do painel. O professor-sênior do IEE apontou que nem todas as ações podem mitigar as mudanças climáticas e que muitas são caras no curto e médio prazos. “Mas há ações e tecnologias que são lucrativas no curto prazo”, disse, apontando para o etanol combustível, que, segundo ele, é entendido como uma boa solução nesse contexto.

Está em curso no Brasil — e já foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado — Projeto de Lei 412/2022, que regulamenta o mercado de carbono no Brasil por meio da criação do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa). A expectativa é de aprovação para se avançar na regulamentação do mercado de crédito de carbono.

Viviane Romeiro, do CEBDS, apontou que a ideia é construir um plano de implantação faseado, que deve levar cerca de cinco anos. “O desafio hoje é o debate político de como podemos promover a descarbonização no Brasil; e isso não é uma tarefa fácil”, disse. Para Agnes Maria de Aragão da Costa, da Aneel, o projeto de lei é positivo em termos de ter definições, mas, segundo ela, é preciso haver discussão na metodologia em como medir e alocar os créditos na economia.

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